15 junho, 2007

Espinho merece melhor


Os aniversários são propícios para reflexões retrospectivas e elaboração de propostas para um futuro que se pretende sempre melhor.
Infelizmente, começa a ser recorrente ter que afirmar que Espinho está mal, que, desde há anos, entrou numa espiral de decadência e deterioração urbana, social e económica a que não se adivinha o fim.
Quando o afirmei há anos, por altura do lançamento da Associação Cívica de Espinho, ía caindo o Carmo e a Trindade.
No entanto, o passar dos anos tem mostrado uma velocidade de degradação cada vez maior, como se tivéssemos entrado na espiral de um funil – inicialmente, cada volta demora mais tempo e é difícil apercebermo-nos que estamos a afundar, mas à medida que avançamos, e as voltas são mais pequenas, torna-se notória a velocidade a que nos afundamos e a inevitabilidade do abismo.
É confrangedor percorrer as ruas de Espinho (e não estou a falar das zonas em obras), e observar o estado de degradação da via pública, os incontáveis edifícios em ruínas e a ruir, terrenos abandonados e transformados em lixeiras urbanas, inúmeros estabelecimentos comerciais encerrados e cujo número não para de aumentar.
Dir-me-ão que isto é “bota-abaixismo” puro, pelo que, o melhor é recorrer a alguns números e estatísticas oficiais, disponíveis no Instituto Nacional de Estatística.
Perda de população superior a 10% nos últimos 15 anos, quando em todo o litoral português aumentou cerca de13%.
Perda de jovens, 31% na faixa etária dos 0 aos 14 anos, e 39% na faixa dos 15 aos 24, entre 1991 e 2005, apresentando Espinho um dos mais elevados índices de envelhecimento do país, passando de 54 a 102 entre 1991 e 2005.
O índice de envelhecimento dos edifícios é superior à média nacional.
O número de sociedades constituídas caiu 54% entre 2001 e 2005.
O desemprego é superior à média nacional.
A percentagem do poder de compra, que nos compara com o resto do país, caiu 15% entre 1993 e 2004.
O endividamento municipal per capita (1182,6 euros) é o mais elevado e quase o dobro da média (664 euros) do conjunto dos municípios do Grande Porto.
E como corolário, a taxa de analfabetismo, que tem vindo a cair em todo o país, tem aumentado em Espinho.
Perante este cenário não é possível ficar indiferente.
Espinho não merece a nossa indiferença.
Espinho não é um ente desconhecido e longínquo.
Espinho é a nossa casa, o nosso jardim, a nossa família, os nossos amigos, o nosso investimento.
Espinho é o lugar onde decidimos viver a nossa vida, que é uma só.
Bem sei que o mundo que nos rodeia é, cada vez menos, um lugar de causas colectivas, imperando um individualismo crescente, e o consequente desinteresse pelo que se passa à nossa volta.
Tudo bem, cada um fará o que muito bem entender.
Mas, que Espinho vamos deixar às gerações futuras? E que gerações futuras?
A falta de dinamismo económico e o desinteresse reinante, associados à perda de população jovem e à falta de entusiasmo com que esses mesmos jovens olham para a cidade, não auguram nada de bom.
(Experimentem perguntar aos vossos filhos ou aos vossos netos, que tal é viver em Espinho, e obterão como resposta mais que provável, que em Espinho não se faz nada!)
Será que não teremos, todos, o dever de contribuir para alterar este estado de coisas?
Há inúmeras pessoas que não têm qualquer actividade política, que desconfiam do poder, e de quem o detém, mas também das oposições e dos seus agentes, optando muitas vezes por nem votar.
Queixam-se de tudo o que está mal e não perdem uma oportunidade para criticar os políticos.
Queixam-se, mas resignam-se, e não levantam um dedo para ajudar a fazer melhor.
Ao longo dos anos tem vindo a aumentar o número destas pessoas descontentes e alheadas, mas nunca tão dispostas, ou quase, a dar um passo qualquer por um futuro melhor, para si e para os seus, como ficou demonstrado com o aparecimento da Associação Cívica de Espinho.
Alguns gostariam de participar na vida pública, mas não sabem como, aguardando a oportunidade ou a motivação necessárias, pelo que é urgente despertar a exaltação de que só as rupturas são capazes.
É altura da sociedade dar prova de vida, e agir.
Basta de falar, falar, falar e não fazer nada.
É urgente dar início a um movimento aberto, de carácter marcadamente reformador, que rasgue novos horizontes, e que empurre Espinho para a ruptura com o marasmo actual, com o provincianismo social, com a cultura de dependência, e com a inadmissível promiscuidade entre o poder político e os múltiplos pequenos e grandes interesses instalados
Uma plataforma alargada, com objectivos declaradamente eleitorais, integrando partidos, associações e cidadãos independentes, com uma postura focada na resolução dos problemas de Espinho e dos espinhenses, alicerçada num pluralismo político que permita não ter medo de atravessar as tradicionais barreiras entre esquerda e direita e liderada por pessoas movidas pelas suas próprias convicções e não por quaisquer outros interesses, poderia criar a dinâmica necessária para inverter o declínio em que Espinho se encontra.
Fica o desafio.
Haja coragem, vontade e determinação para tal, porque, Espinho merece melhor.

Há um ano, no aniversário de Espinho

MAIS UMA OPORTUNIDADE PERDIDA?

Ao comemorar mais um aniversário da elevação de Espinho a cidade, não posso deixar de recordar a euforia sentida, e de imediato partilhada com milhares de pessoas no meio da rua, ao ouvir noticiada a decisão no Telejornal dessa noite de Junho de 1973.
- “Agora é que vai ser…!”, era o sentimento, mais ou menos generalizado, quanto à nova oportunidade que se nos deparava.
Esta “promoção” trazia maior visibilidade e maior poder reivindicativo, em suma, novas possibilidades de promover o desenvolvimento.
Ao longo da sua história, Espinho viveu diversos surtos de desenvolvimento, mais ou menos conseguidos, obviamente influenciados pelas diversas conjunturas sócio-económicas das respectivas épocas, mas conseguindo agarrar as diversas oportunidades que foram surgindo.
O impulso liberal de finais do séc.XIX, as crises geradas pelas duas guerras mundiais e a modernização de finais da década de 60 e início da década de 70 do séc.XX, esta alavancada num crescimento económico que se chegou a medir com dois dígitos, são exemplos de períodos, alguns de grande crise, em que as oportunidades não foram desperdiçadas, e que resultaram num desenvolvimento sócio-económico invejável, sobretudo tendo em conta a pequena dimensão e a curta história de Espinho.
O “segredo” assentou na existência de objectivos claros, primeiro sonhados e depois concretizados, de metas traçadas que foram alcançadas, de estratégias delineadas que foram cumpridas.
Cumprido o sonho de ser cidade, era necessário encontrar e definir novos objectivos, e, se necessário, criar novos paradigmas de desenvolvimento.
No entanto, as alterações que posteriormente se verificaram, primeiro no mundo e depois no país, vieram alterar de uma forma radical a realidade sócio-económica até então vivida.
Assistiu-se, então, a uma perda progressiva da vitalidade que caracterizava Espinho aos mais variados níveis, quer social, quer económico, quer mesmo desportivo, entrando num ciclo em que foi perdendo capacidade para atrair e fixar as pessoas, cativar investimentos ou oferecer oportunidades e empregos.
Independentemente das causas que levaram a esta situação, era obrigatório encontrar uma estratégia que relançasse Espinho, que, enquadradas as novas realidades e desafios, apontasse novos paradigmas e definisse novos objectivos mobilizadores do entusiasmo colectivo.
Infelizmente, não é o que reza a história destes mais de trinta anos.
A história recente de Espinho é uma história de oportunidades perdidas: desde o nó da auto-estrada, que chegou com quase vinte anos de atraso, passando pelo ensino superior, pelo hospital regional, pelo parque de exposições, até ao programa Polis, foram desbaratadas oportunidades que, individualmente consideradas, qualquer delas, constituiriam um impulso notável no sentido do desenvolvimento do concelho.
Mas nestes trinta anos, nada foi realizado de novo?
Claro que foi!
Quer em Espinho, quer no país, foram realizadas imensas obras, tendo sido privilegiada a aplicação de fundos em projectos de coesão e equipamentos públicos não geradores de riqueza colectiva, em detrimento do reforço dos factores de competitividade, como o capital humano, e de condições para gerar inovação, atrair investimento e, consequentemente, promover dinâmicas de desenvolvimento.
É o reino da obra pela obra: um equipamento desportivo aqui, uma rotunda ali e uma casa da cultura, sabe Deus onde, …, ah, e umas tantas quantas requalificações por tudo o que é sítio!
Tudo obras desgarradas, sem qualquer lógica integradora, sem qualquer plano estratégico de desenvolvimento minimamente consistente que as sustente.
A nível nacional, o resultado está à vista nos números de diversos organismos internacionais, com a nossa sistemática desclassificação nos rankings de desenvolvimento, tendo já sido ultrapassados por alguns dos novos países do alargamento da União Europeia.
A nível local, os números do desemprego, por comparação ao todo nacional, a subsídio-dependência, quer a directa, quer a ardilosamente camuflada, a perda de população, sobretudo jovem, o definhamento da economia local e a degradação urbana que é evidente, mesmo para os mais distraídos, falam por si.
No meio deste panorama nada animador, quiseram os deuses brindar-nos com mais uma oportunidade e atribuir-nos fundos substanciais para levar a cabo o “enterramento” da via-férrea, que, pese embora o facto de ter sido um dos motores do nosso crescimento, tem constituído, nas últimas décadas, um obstáculo permanente ao desenvolvimento harmonioso de Espinho.
O “enterramento” da via-férrea em toda a extensão da cidade, iria permitir a libertação de grandes áreas, algumas delas problemáticas do ponto de vista de planeamento urbano, e fazer desaparecer uma barreira que divide a cidade e a separa do livre contacto com o mar, podendo ser o ponto de partida para uma nova ideia de cidade, com novas centralidades capazes de gerar uma atractividade há tanto perdida.
A divulgação das primeiras ideias e dos primeiros estudos, amplamente difundidos em boletins municipais e propaganda eleitoral, só vieram reforçar esta convicção, levando à adopção mais ou menos generalizada da ideia e do próprio projecto.
À medida que o tempo foi passando, a quantidade de informação divulgada foi diminuindo, ficando, no entanto, a saber-se do abandono da quadruplicação da via, e, posteriormente, do encurtamento do “túnel”, ouvindo-se somente, e de quando em quando, uns tantos “palpites” acerca da requalificação do espaço libertado à superfície.
É inconcebível a forma como a população foi tomando conhecimento do projecto, quase sempre com base no “diz que disse”, ao invés da sua ampla divulgação, seguida pelo correspondente período de consulta pública – só agora se compreende porque é que nada disto foi feito.
Quando, finalmente, foram iniciados os trabalhos preliminares, montado o estaleiro e realizadas as primeiras perfurações para construção dos muros de suporte do “túnel”, foi então possível a real percepção de alguns pormenores do projecto por parte da população.
E nada estava de acordo com o inicialmente anunciado.
Passamos a ter um “túnel” curto, que coloca os muros e painéis de protecção das rampas no meio da cidade, e que por este facto terão de ser elevados a 4,5 metros de altura, o que associado à perda de largura das ruas a poente das rampas, quase as transforma em vielas de um qualquer aglomerado suburbano, onde impera a lógica do “amanhem-se como poderem porque isto é só um local de passagem”, e a ocupação de uma parte substancial da área libertada à superfície, pelo edifício da estação e por um interface de transportes, vulgo, parque de estacionamento de autocarros, táxis e afins, sobrando para requalificação o espaço compreendido entre as ruas15 e 25 ( do espaço a sul do interface nem se fala, pelo que nos deve estar reservada uma “bonita” surpresa ).
A falta de interesse na obra e as dificuldades financeiras por parte da Refer, o conflito entre esta e o empreiteiro, que já provocou o aumento do custo final, a crise das finanças públicas que o país vive e a perda de interesse estratégico na Linha do Norte, são os argumentos evocados para nos darmos por muito satisfeitos com o que vamos ter, e não mexermos muito no assunto, sob risco de perdermos “pau e bola”, num verdadeiro hino à mais medíocre das lógicas, segunda a qual, mais vale fazer mal do que não fazer nada.
O aumento do custo do prolongamento do “túnel” inviabilizaria a obra, dizem-nos.
A obra, tal qual está projectada, inviabiliza a cidade, digo eu.
E aqui é que reside o problema, em minha opinião: ganhamos uma obra que nos vai trazer ainda maiores constrangimentos e perdemos a oportunidade de um grande projecto requalificador do qual faria parte um “enterramento” mais longo da via-férrea.
O que está em causa não é o comprimento do “túnel”em si mesmo, mas todo um projecto de requalificação que revolucione a cidade, e que dele depende.
O que agora for realizado vai condicionar, para o bem e para o mal, a evolução da cidade nos próximos cem anos.
Dir-me-ão que tal pretensão é demasiado ambiciosa e de financiamento impossível.
Obviamente que o financiamento de tal projecto não poderia ser exclusivamente público, nem tal seria admissível face à actual situação económico-financeira do país.
Teria que ser encontrado localmente, por exemplo, mediante o estabelecimento de um “project-finance”de parcerias público-privadas, a exemplo do que é hoje corrente em diversos sectores da economia, e assentaria nas mais-valias geradas, quer pela libertação das grandes áreas à superfície do “enterramento, quer pela requalificação de extensas frentes que deixariam de estar confrontadas com a via-férrea.
A oportunidade é de ouro, e não se vislumbra que tão cedo venhamos a ter outra.
Haja visão, ambição e imaginação para a concretizar, haja empenhamento para congregar todas as boas-vontades e todas as capacidades existentes, que, disso estou certo, ninguém faltará à chamada.
Não queira o poder político ser responsável pela transformação da esperança em angústia, por mais uma oportunidade perdida.
Não queiram os políticos locais vir a ser acusados de culpados por incapacidade.
Não gostaria, num próximo aniversário da cidade, ter que perguntar a mim mesmo –“Como foi possível deixarmos que isto acontecesse?”