11 fevereiro, 2007

E agora...

Em 1998 o referendo não foi vinculativo e a lei ficou na mesma.
Hoje, tudo leva a crer, o referendo não será vinculativo.
E agora?
Tudo leva a crer que a lei será alterada.
Assim, como na aplicação dos critérios que definem a vida, tudo depende das circunstâncias e das conveniências do momento.

Porque votei não

Todo o indivíduo tem direito à vida, diz a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A vida humana é inviolável, diz a Constituição Portuguesa.

Esta deveria ser a questão central em toda a discussão sobre o aborto, à volta da qual têm sido evocados argumentos muitas vezes falaciosos senão mesmo falsos.
Sendo a vida do indivíduo humano inviolável, a única questão que necessitará de esclarecimento dirá respeito ao momento exacto do início desta mesma vida.
Mas, esta é, no entanto, uma questão para a qual ninguém tem resposta.

Sem qualquer tipo de fundamentalismo e tentando enquadrar seriamente a questão do ponto de vista puramente biológico, poder-se-á argumentar que após a fecundação e no decurso da fase de nidação (implantação na parede do útero), que decorre, aproximadamente, entre o 5º e o 12º dia de desenvolvimento, o ovo humano pode vir a dar origem a um indivíduo, a gémeos ou mesmo a um tumor da placenta.
Em boa verdade, nesta fase do desenvolvimento, não se pode argumentar que estamos na presença de um ser humano, pois este conjunto de células tanto pode vir a dar origem a um indivíduo, como a vários, como a um tumor, pelo que a utilização dos anticoncepcionais “clássicos”ou da “pílula-do-dia-seguinte” não me levanta quaisquer problemas éticos ou morais.
Passada esta fase, e na ausência de impedimentos biológicos, é expectável que a continuação do desenvolvimento embrionário venha a dar origem a um ser humano.
Na Europa “civilizada”, com que todos os dias somos confrontados, é proibida a experimentação com embriões a partir do 14º dia de desenvolvimento. Porque será?

Argumenta-se, no entanto, que a vida humana só terá início com o aparecimento da funcionalidade cerebral, o que se verifica por volta das 24 semanas, tentando estabelecer um paralelismo com a determinação da morte.
Ora a morte é determinada, não pelo cessar das funções cerebrais, mas sim do tronco cerebral, que regula inúmeras funções automáticas do nosso organismo.
Uma vítima de um traumatismo crânio-encefálico ou de um acidente vascular cerebral graves podem ficar num estado de coma descerebrado, o que significa que o cérebro não está a funcionar, que só funciona o tronco cerebral, reagindo a estímulos e mobilizando os membros, mas tudo de uma forma automática.
Este doente não está morto, está vivo.
Este doente, que não deixou de ser o indivíduo que era, é internado numa unidade de cuidados intensivos e adequadamente tratado, pois é expectável que, se lhe dermos tempo, e por vezes são necessários meses, possa vir a recuperar destas lesões.
E todos os anos são gastos muitos milhões de euros no tratamento destes doentes, despesa que ninguém contesta pois estão em causa seres humanos, vidas humanas.
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Ora, no decurso do desenvolvimento embrionário observa-se o aparecimento dos primeiros neurónios por volta do 30º dia, e entre as 8 e as 10 semanas já existem alguns circuitos nervosos motores que permitem reacções de tipo automático e reflexo como abrir e fechar os olhos, esgares faciais e, por vezes, “chuchar” o dedo, reacções estas que poderão ser equivalentes às observadas nos doentes em coma.

Se tentarmos estabelecer um paralelismo entre as situações atrás descritas, então teremos que afirmar que antes das 10 semanas já vive um ser humano, que, embora em desenvolvimento, será tão único e irrepetível como qualquer um de nós.

A vida é um valor absoluto e os critérios que a definem devem ser absolutos, e não variar consoante as conveniências ou as circunstâncias da sua aplicação.

Por maior que seja a compreensão pelos dramas pessoais e familiares que possam ser provocados por uma gravidez indesejada, não é tolerável que os mesmos sejam resolvidos à custa do sacrifício de uma vida humana, este sim o verdadeiro drama que envolve o aborto.
Se não estivesse em causa uma vida humana, um filho, um neto, mas sim uma “coisa”, como tentam convencer toda a gente, o drama do aborto não tinha drama nenhum.

Não significa esta posição qualquer tipo de insensibilidade para com o drama de inúmeras mulheres empurradas para o aborto pelos maridos, pelos namorados, pelos amantes, pelos patrões, pelas dificuldades económicas ou pelo espectro de uma carreira ou de sonhos precocemente destruídos.
Não quero, nem ninguém quer ver mulheres e jovens publicamente expostas, humilhadas, julgadas e, muito menos, presas.
No entanto, se o sim ganhar, as mulheres que abortarem depois das 10 semanas vão continuar a ser humilhadas, julgadas e criminalizadas.
O sim irá criminalizar o aborto para além das 10 semanas.
Se o sim ganhar, não vai acabar a clandestinidade do acto, pois como já ficou patente, quem o faz, não quer dar a cara, quer o anonimato que não pode ser garantido pelos estabelecimentos públicos.

Em vez da desresponsabilização geral proposta pela liberalização do aborto até às 10 semanas, gostaria de ver todo o empenho do Estado na protecção social, laboral e económica das mulheres e da maternidade, e não de ouvir a declaração cínica e intimidatória de um primeiro-ministro que afirmou que se o não ganhar ficará tudo na mesma.
A actual lei, apesar das imperfeições que podem e devem ser corrigidas, contempla os casos limite em que é defensável o aborto efectuado como acto médico e terapêutico, pelo que, o voto no não permitirá encontrar soluções que promovam o apoio incondicional das mulheres e da maternidade, a responsabilização dos homens ausentes, sim, por trás de uma gravidez há sempre um homem, e a denúncia feroz dos patrões que negam trabalho à grávida e à mãe de família.

Em tempos fizemos história ao sermos o primeiro país a abolir a pena de morte no seio da Europa, já então civilizada, mas defensora da pena capital.
Podemos voltar a fazer história ao defender intransigentemente a vida humana, e ao mesmo tempo encontrar soluções que protejam verdadeiramente as mulheres e a maternidade, antecipando-nos aos movimentos emergentes em todo o mundo ocidental que, à luz dos conhecimentos científicos actuais, têm vindo a questionar a prática do aborto nos respectivos países, baseada em conhecimentos com trinta anos.

Existe uma “casta” de dominadores da opinião pública com a pretensão de determinar o que é moderno, progressista e politicamente correcto, e que não hesita “executar” publicamente quem se lhes opõe ou deles discorda.
Até que ponto iremos permitir que a nossa vontade, as nossas convicções mais profundas, sejam manipuladas pela propaganda, e, portanto pelo capital e pelos interesses, através de alguns destes dominadores da opinião pública?
Os portugueses sabem ser originais, inovadores e modernos no contexto mundial.
Já o provamos e podemos fazê-lo novamente.
Votar NÃO, acolhendo os mais recentes conhecimentos científicos, será uma prova de modernidade.
O aborto é um drama, um mal em si mesmo, e os males não se legalizam e muito menos se liberalizam – combatem-se.

Vamos a isto

Hoje, dia de referendo, algo vai ter que mudar em Portugal.
Se SIM, vai ser necessário muito trabalho para evitar os inúmeros abortos que se adivinham.
Se NÃO, vai ser necessário muito trabalho para evitar os inúmeros abortos que são praticados.
Aconteça o que acontecer, vai ser necessário maior envolvimento e maior participação de todos para moldar o futuro que se adivinha negro - das crianças que não nascem, da juventude que escasseia, do país que se esvai.
Mais uma vez fica demonstrada a capacidade de mobilização e intervenção da sociedade quando movida por causas.
É nisto que acredito, no inconformismo da sociedade que recusa aceitar o cinzento do presente e o negro do futuro que nos espera.
Vamos reagir ao declínio da sociedade, da cidade, do país.
Vamos a isto.