15 junho, 2007

Há um ano, no aniversário de Espinho

MAIS UMA OPORTUNIDADE PERDIDA?

Ao comemorar mais um aniversário da elevação de Espinho a cidade, não posso deixar de recordar a euforia sentida, e de imediato partilhada com milhares de pessoas no meio da rua, ao ouvir noticiada a decisão no Telejornal dessa noite de Junho de 1973.
- “Agora é que vai ser…!”, era o sentimento, mais ou menos generalizado, quanto à nova oportunidade que se nos deparava.
Esta “promoção” trazia maior visibilidade e maior poder reivindicativo, em suma, novas possibilidades de promover o desenvolvimento.
Ao longo da sua história, Espinho viveu diversos surtos de desenvolvimento, mais ou menos conseguidos, obviamente influenciados pelas diversas conjunturas sócio-económicas das respectivas épocas, mas conseguindo agarrar as diversas oportunidades que foram surgindo.
O impulso liberal de finais do séc.XIX, as crises geradas pelas duas guerras mundiais e a modernização de finais da década de 60 e início da década de 70 do séc.XX, esta alavancada num crescimento económico que se chegou a medir com dois dígitos, são exemplos de períodos, alguns de grande crise, em que as oportunidades não foram desperdiçadas, e que resultaram num desenvolvimento sócio-económico invejável, sobretudo tendo em conta a pequena dimensão e a curta história de Espinho.
O “segredo” assentou na existência de objectivos claros, primeiro sonhados e depois concretizados, de metas traçadas que foram alcançadas, de estratégias delineadas que foram cumpridas.
Cumprido o sonho de ser cidade, era necessário encontrar e definir novos objectivos, e, se necessário, criar novos paradigmas de desenvolvimento.
No entanto, as alterações que posteriormente se verificaram, primeiro no mundo e depois no país, vieram alterar de uma forma radical a realidade sócio-económica até então vivida.
Assistiu-se, então, a uma perda progressiva da vitalidade que caracterizava Espinho aos mais variados níveis, quer social, quer económico, quer mesmo desportivo, entrando num ciclo em que foi perdendo capacidade para atrair e fixar as pessoas, cativar investimentos ou oferecer oportunidades e empregos.
Independentemente das causas que levaram a esta situação, era obrigatório encontrar uma estratégia que relançasse Espinho, que, enquadradas as novas realidades e desafios, apontasse novos paradigmas e definisse novos objectivos mobilizadores do entusiasmo colectivo.
Infelizmente, não é o que reza a história destes mais de trinta anos.
A história recente de Espinho é uma história de oportunidades perdidas: desde o nó da auto-estrada, que chegou com quase vinte anos de atraso, passando pelo ensino superior, pelo hospital regional, pelo parque de exposições, até ao programa Polis, foram desbaratadas oportunidades que, individualmente consideradas, qualquer delas, constituiriam um impulso notável no sentido do desenvolvimento do concelho.
Mas nestes trinta anos, nada foi realizado de novo?
Claro que foi!
Quer em Espinho, quer no país, foram realizadas imensas obras, tendo sido privilegiada a aplicação de fundos em projectos de coesão e equipamentos públicos não geradores de riqueza colectiva, em detrimento do reforço dos factores de competitividade, como o capital humano, e de condições para gerar inovação, atrair investimento e, consequentemente, promover dinâmicas de desenvolvimento.
É o reino da obra pela obra: um equipamento desportivo aqui, uma rotunda ali e uma casa da cultura, sabe Deus onde, …, ah, e umas tantas quantas requalificações por tudo o que é sítio!
Tudo obras desgarradas, sem qualquer lógica integradora, sem qualquer plano estratégico de desenvolvimento minimamente consistente que as sustente.
A nível nacional, o resultado está à vista nos números de diversos organismos internacionais, com a nossa sistemática desclassificação nos rankings de desenvolvimento, tendo já sido ultrapassados por alguns dos novos países do alargamento da União Europeia.
A nível local, os números do desemprego, por comparação ao todo nacional, a subsídio-dependência, quer a directa, quer a ardilosamente camuflada, a perda de população, sobretudo jovem, o definhamento da economia local e a degradação urbana que é evidente, mesmo para os mais distraídos, falam por si.
No meio deste panorama nada animador, quiseram os deuses brindar-nos com mais uma oportunidade e atribuir-nos fundos substanciais para levar a cabo o “enterramento” da via-férrea, que, pese embora o facto de ter sido um dos motores do nosso crescimento, tem constituído, nas últimas décadas, um obstáculo permanente ao desenvolvimento harmonioso de Espinho.
O “enterramento” da via-férrea em toda a extensão da cidade, iria permitir a libertação de grandes áreas, algumas delas problemáticas do ponto de vista de planeamento urbano, e fazer desaparecer uma barreira que divide a cidade e a separa do livre contacto com o mar, podendo ser o ponto de partida para uma nova ideia de cidade, com novas centralidades capazes de gerar uma atractividade há tanto perdida.
A divulgação das primeiras ideias e dos primeiros estudos, amplamente difundidos em boletins municipais e propaganda eleitoral, só vieram reforçar esta convicção, levando à adopção mais ou menos generalizada da ideia e do próprio projecto.
À medida que o tempo foi passando, a quantidade de informação divulgada foi diminuindo, ficando, no entanto, a saber-se do abandono da quadruplicação da via, e, posteriormente, do encurtamento do “túnel”, ouvindo-se somente, e de quando em quando, uns tantos “palpites” acerca da requalificação do espaço libertado à superfície.
É inconcebível a forma como a população foi tomando conhecimento do projecto, quase sempre com base no “diz que disse”, ao invés da sua ampla divulgação, seguida pelo correspondente período de consulta pública – só agora se compreende porque é que nada disto foi feito.
Quando, finalmente, foram iniciados os trabalhos preliminares, montado o estaleiro e realizadas as primeiras perfurações para construção dos muros de suporte do “túnel”, foi então possível a real percepção de alguns pormenores do projecto por parte da população.
E nada estava de acordo com o inicialmente anunciado.
Passamos a ter um “túnel” curto, que coloca os muros e painéis de protecção das rampas no meio da cidade, e que por este facto terão de ser elevados a 4,5 metros de altura, o que associado à perda de largura das ruas a poente das rampas, quase as transforma em vielas de um qualquer aglomerado suburbano, onde impera a lógica do “amanhem-se como poderem porque isto é só um local de passagem”, e a ocupação de uma parte substancial da área libertada à superfície, pelo edifício da estação e por um interface de transportes, vulgo, parque de estacionamento de autocarros, táxis e afins, sobrando para requalificação o espaço compreendido entre as ruas15 e 25 ( do espaço a sul do interface nem se fala, pelo que nos deve estar reservada uma “bonita” surpresa ).
A falta de interesse na obra e as dificuldades financeiras por parte da Refer, o conflito entre esta e o empreiteiro, que já provocou o aumento do custo final, a crise das finanças públicas que o país vive e a perda de interesse estratégico na Linha do Norte, são os argumentos evocados para nos darmos por muito satisfeitos com o que vamos ter, e não mexermos muito no assunto, sob risco de perdermos “pau e bola”, num verdadeiro hino à mais medíocre das lógicas, segunda a qual, mais vale fazer mal do que não fazer nada.
O aumento do custo do prolongamento do “túnel” inviabilizaria a obra, dizem-nos.
A obra, tal qual está projectada, inviabiliza a cidade, digo eu.
E aqui é que reside o problema, em minha opinião: ganhamos uma obra que nos vai trazer ainda maiores constrangimentos e perdemos a oportunidade de um grande projecto requalificador do qual faria parte um “enterramento” mais longo da via-férrea.
O que está em causa não é o comprimento do “túnel”em si mesmo, mas todo um projecto de requalificação que revolucione a cidade, e que dele depende.
O que agora for realizado vai condicionar, para o bem e para o mal, a evolução da cidade nos próximos cem anos.
Dir-me-ão que tal pretensão é demasiado ambiciosa e de financiamento impossível.
Obviamente que o financiamento de tal projecto não poderia ser exclusivamente público, nem tal seria admissível face à actual situação económico-financeira do país.
Teria que ser encontrado localmente, por exemplo, mediante o estabelecimento de um “project-finance”de parcerias público-privadas, a exemplo do que é hoje corrente em diversos sectores da economia, e assentaria nas mais-valias geradas, quer pela libertação das grandes áreas à superfície do “enterramento, quer pela requalificação de extensas frentes que deixariam de estar confrontadas com a via-férrea.
A oportunidade é de ouro, e não se vislumbra que tão cedo venhamos a ter outra.
Haja visão, ambição e imaginação para a concretizar, haja empenhamento para congregar todas as boas-vontades e todas as capacidades existentes, que, disso estou certo, ninguém faltará à chamada.
Não queira o poder político ser responsável pela transformação da esperança em angústia, por mais uma oportunidade perdida.
Não queiram os políticos locais vir a ser acusados de culpados por incapacidade.
Não gostaria, num próximo aniversário da cidade, ter que perguntar a mim mesmo –“Como foi possível deixarmos que isto acontecesse?”

2 Comments:

Blogger paulo lacerda said...

Parabéns, comentários dignos de um genuíno filho de Espinho. Epinho Concelho, pois a visão alargada às freguesias é actualmente fundamental no planeamento urbanístico de qualquer cidade. O meu incentivo ao poder local e aos residentes é uma mensagem de colaboração entre si fomentando o trabalho vigoroso, isento e objectivo em termos socio-culturais, económicos e ambientais, visando repor Espinho ao nível do desenvolvimento que transparece com naturalidade em outras pequenas cidades nacionais. Dinamismo precisa-se. As gerações futuras agradecerão. Nós tambem.

6/17/2007 7:30 da tarde  
Blogger paulo lacerda said...

Parabéns pela opinião franca e isenta, própria de um genuíno filho de Espinho. Espinho Concelho, pois a visão alargada às freguesias é fundamental no actual planeamento urbano. O meu incentivo à colaboração entre os habitantes e poder local vai nesse sentido: Cultivem e divulguem um trabalho saudável e com amplitude concelhia, objectivo quanto aos pontos de vista sociais, económicos e ambientais deste Concelho. As gerações futuras agradecem. Coragem!

6/17/2007 7:31 da tarde  

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